segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O (des)acordo ortográfico

Estou saindo daqui a pouquinho para participar de um debate sobre a reforma ortográfica. As pessoas ficaram alarmadas após a notícia veiculada pela Veja há poucos dias. Tudo indica que esse acordo completará a maioridade sem ser posto em prática, mas já que o tema está em alta, resolvi postar aqui o artigo de abertura da seção Letras na Sopa, da revista Sopa de Siri, veiculada na minha cidade e nos municípios vizinhos.
Depois eu comento como foi o debate na XXVI Semana de Letras do curso de Letras da UNIVALI, em Itajaí - SC. Agora vou lá. Até mais.


O (des)Acordo Ortográfico

O tema que abre o Letras na Sopa é o controvertido Acordo Ortográfico firmado em 1990 pelos países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – Brasil, Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola (Timor-Leste juntou-se aos demais apenas após sua independência). O acordo visa à pretensa unificação ortográfica da língua portuguesa, o que afirmam contribuir para a difusão da língua; mas, passados dezessete anos, ainda não saiu do papel.

Inicialmente, exigia a ratificação de todos os países envolvidos para que pudesse entrar em vigor. Em 2004, o polêmico protocolo modificativo do documento original permitiu que o Acordo vigorasse com a ratificação de apenas três países, o que pareceu acelerar sua implementação, uma vez que Portugal, Brasil e Cabo Verde já o haviam ratificado, mas tudo continuou a passos lentos, pois cada país necessitava cumprir inúmeros requisitos constitucionais para viabilizar as mudanças. Ainda no mesmo ano, o Brasil já havia cumprido todos os requisitos, estando na dependência de Portugal e Cabo Verde para que o Acordo pudesse valer. O Brasil, entretanto, é o único país hoje que não adere ao atual acordo ortográfico existente entre Portugal e os demais países da CPLP.

O cumprimento do protocolo estabelecido em 2004, para Ivo Castro, lingüista e Professor da Faculdade de Letras de Lisboa, põe em risco a concordância atual entre Portugal e aqueles países, céticos quanto às conseqüências da reforma ortográfica a ser operada, em nome de uma parceria ortográfica que nunca existiu com o Brasil.

Para nós, a vigoração do Acordo constituirá transtornos econômicos na área editorial, que precisará ser substituída, mas reduzirá os custos de produção, além de viabilizar uma maior difusão bibliográfica e das novas tecnologias, uma vez que o Brasil poderá competir com grandes editoras portuguesas, entrando no mercado europeu e africano.

O que muda:
• As paroxítonas terminadas em oo, por exemplo, não terão mais acento circunflexo. Ao invés de abençôo, enjôo ou vôo, os brasileiros terão de escrever abençoo, enjoo e voo.
• Também não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler, ver e seus decorrentes, ficando correta a grafia creem, deem, leem e veem.
• O trema desaparecerá completamente. Estará correto escrever linguiça, sequência, frequência e linguística ao invés de lingüiça, seqüência, freqüência e lingüística.
• São incorporadas oficialmente ao alfabeto as letras k, w e y.
• O acento diferencial de algumas palavras, como de pára (verbo) e para (preposição), deixará de ser usado.
• Haverá eliminação do acento agudo nos ditongos abertos éi e ói, como em assembléia, idéia e jibóia, que passam a assembleia, ideia e jiboia.
• Em Portugal, desaparecem da língua escrita o c e o p nas palavras onde não são pronunciados, como em acção, acto, adopção e baptismo, que passam a ação, ato, adoção e batismo, num registro à brasileira. Palavras com diferentes pronúncias entre os países manterão, entretanto, seus respectivos registros, tais como em recepção e receção, registro e registo, corrupto e corruto.

O tema divide opiniões, já que o Acordo parece banalizar as diferenças lingüísticas entre o português brasileiro e o português europeu mantidas com a mudança ortográfica proposta. Para além do mais, ainda que muitas das alterações já sejam praticadas além-mar, algumas demonstram incoerências relativas ao sistema escrito da língua, como a queda do trema, por exemplo. Ainda que a escrita pareça ser facilitada com a supressão de acentos e letras não pronunciadas, a aprendizagem da leitura por crianças e estrangeiros torna-se mais difícil, uma vez que uma única grafia possibilita mais de uma pronúncia. A idéia equivocada de simplificação da língua é pura utopia. Simplifica-se de um lado, complica-se de outro.

E enquanto o (des)acordo ortográfico não se estabelece na prática, seguimos fazendo valer o que está em vigor.


Letras na Sopa é uma seção lingüística que passa a ser veiculada a partir da edição de junho da revista Sopa de Siri, com tiragem de 2.000 exemplares para Itajaí, Navegantes, Balneário Camboriú, Brusque e Itapema (Santa Catarina).
Visite o site http://www.sopadesiri.com.br/


Tania Mikaela Garcia

Um comentário:

Anônimo disse...

Brilhante, Mikaela.
Exposição clara e com uma opinião bem firmada.
Parece que o acordo ortográfico tem um sem fim de incoerências, sim.
Cada país desenvolve o exercício da língua originária de forma diferente, pela força dos usos locais.
Preocupante é não deixar caír a língua no uso vulgar de palavrão e erro ortográfico, que reiterado no tempo, acaba sempre por se disseminar e fixar-se na linguagem.
O óptimo seria o ensino do português de Eça, a toda a gente, tal como nós o aprendemos. As derivações que já têm uso, adquirem-se rapidamente na vivência.
Mas aí, contamos sempre com todos os especialistas na àrea, nos quais te incluis e que decerto não deixarão que a língua se desvie do rumo correcto.
Platão (o grego, não o chinês)