terça-feira, 18 de setembro de 2007

Debate acadêmico sobre a "Unificação" da língua portuguesa

Prometi dar um retorno sobre o debate ocorrido na XXVI Semana de Letras do curso de Letras da UNIVALI, em Itajaí, ontem, e cá estou.
O debate foi muito produtivo. Participei como professora convidada, juntamente com a Prof.ª Dra. Mônica Mano Trindade, da UNISUL, e a Prof.ª MSc. Eliana Moreira Utzig, da UNIVALI.

A discussão não ficou limitada aos aspectos lingüísticos que envolvem o problema da reforma proposta. Debruçamo-nos, também, nas motivações políticas e econômicas que alicerçam o "movimento". Discutimos aspectos identitários e culturais implicados nessa ilusória iniciativa de unificação lingüística.

Admira-me o fato de pessoas tão renomadas e esclarecidas argumentarem que a reforma traz simplificações e vantagens para a língua portuguesa.
Admira-me o argumento de que a chamada unificação facilitaria a redação de documentos em eventos internacionais.
Admira-me a afirmação de que a reforma fortalece nossa língua.

Como já mencionei no artigo postado antes deste "desabafo", a idéia de simplificação, em se tratando de língua, é ilusão. O que pode parecer simplificação num contexto fonológico implica complicações num semântico ou sintático ou morfológico... enfim... mexer num paradigma provoca mudanças em outros. Como se pode ver, em se tratando de língua, as coisas não são tão fáceis como parecem.

Quanto ao problema de atualmente haver a necessidade de dois registros em língua portuguesa nos eventos internacionais, há que se pensar em dois detalhes que os defensores da reforma não mencionam: hoje há diferenças ortográficas entre o inglês britânico e o americano (e estamos falando da língua que hoje é tomada como oficial em eventos internacionais de qualquer espécie). Muito bem, ninguém entra em crise na hora de redigir um documento em inglês, ainda que haja variações entre o padrão lingüístico do país colonizador e do país colonizado. Por que essa preocupação agora com o português? E, em segundo lugar: continuará havendo diferenças significativas entre os dois portugueses (e nem estou aqui mencionando diferenças lexicais ou sintáticas, falo mesmo das ortográficas). Que padrão escolherão para registrar nos tais documentos internacionais? O que responde à pronúncia brasileira ou à lusitana? Ora, como é possível perceber, o "impasse" continuará existindo. Que reforma é esta?

Por último, como uma reforma seguida de outra pode fortalecer uma língua? A última reforma ocorreu em 1971. Quinze anos mais tarde houve um movimento para uma nova reforma (sim, porque a tal reforma que dizem poder entrar em vigor em 2009 - o que acredito não ocorrer, graças à prudente resistência lusitana ao acordo - foi gerada por volta de 1985, pasmem!). Se fizermos reformas (e reformas incoerentes como a que está em questão) num período tão curto assim, daqui a cem anos será impossível ler Camões, Eça, Pessoa, Florbela Espanca, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Drummond. Isso é fortalecer a língua? Isso é jogá-la no lixo! E é jogar no lixo também nossa identidade. Como é que se pode discutir unificação lingüística? E as marcas culturais? E as identitárias?

Sinto-me, tal como as muitas nigerianas, mutilada por pessoas cujos interesses questionáveis perpassam o discernimento maior que se espera daqueles que detêm o poder de decisão e implementação de mudanças na sociedade em que vivem.

A quem interessa esta reforma?
Qual o preço a pagarmos por ela?
Que benefícios reais ela nos trará a curto, médio e longo prazo?


Salve o tão criticado conservadorismo lusitano, que parece estar conseguindo frear nosso furor por mudança e vanguarda, calcada, muitas vezes, em devaneios e interesses escusos e indignos.

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Houve, no debate, um aluno que se manifestou mencionando sua indignação pela concentração de energia dispendida num tema que pode, como muitas coisas no nosso país, acabar numa comilança à italiana.
"Essa é uma discussão inócua!", disse ele.

Discordo! Por mais que saibamos que a dita reforma pode (oxalá!) não ocorrer, ao menos nos próximos dez anos, como anunciou no último dia 10 a ministra da cultura de Portugal, uma discussão como esta não é inócua, uma vez que o problema de uma mudança de tal caráter e com tamanhas implicações não é qualquer coisa e merece, sim, nossa atenção. Precisamos olhar para o problema de modo mais crítico, sem nos deixar influenciar por aquilo que muitas vezes a mídia nos quer fazer ver.
Se há questões muito mais importantes a serem discutidas?
Há, pois!
Ficarmos parados diante de um problema que se apresenta é que não podemos. Temos de nos mobilizar.
Este pode ser um começo.
Que a reforma, ao menos, sirva para algo útil: a visibilidade das questões lingüísticas e do ensino do português.
Talvez isso abra a possibilidade para a reflexão sobre questões mais urgentes e basilares da nossa realidade.




Tania Mikaela Garcia.




Um comentário:

Anônimo disse...

Na verdade eu não sei se os portugueses em geral têm dificuldade em ler textos em PB.
Eu não tenho. Leio bastantes traduções em PB que infelizmente não existem em PE e os termos utilizados que diferem do PE, são facilmente contextualizáveis.
Descoheço se no Brasil se passa o mesmo, quando um texto é em PE. No entanto, penso que os dois podem conviver sem conflito.
Platão (o grego, não o chinês)