quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Um ciclo se fecha


Já reparou como tudo na vida são ciclos? Isso não é novidade alguma, eu sei. Mas gosto de refletir a respeito.

Envolvemo-nos com algum projeto, sintonizamo-nos com algumas pessoas, dedicamo-nos a algum empreendimento... e, por algum tempo, parece que aquela realidade sempre se manterá, tamanha a importância que damos a ela.

O interessante é percebermos em que estágio desse ciclo está nossa relação com esse “outro”. Tudo o que fazemos deve-nos trazer um crescimento, e (deixe-me sonhar, por favor!) perfeito é quando esse crescimento se estende a outras pessoas com as quais convivemos. O que precisamos eternamente aprender é que esses processos não são eternos. Chega um momento em que uma dada situação não nos acrescenta mais. Há riscos que valem o investimento. Há aborrecimentos e ajustes que merecem um esforço para a adequação, afinal de contas, qual relação é fácil? Qual projeto não demanda perseverança? Limites, porém, devem ser respeitados.

Sempre me incomoda reconhecer e respeitar certos limites, até porque esses limites são meus e me fazem ter de abrir mão de algo que eu gostaria de manter comigo. Incomoda-me ainda mais sentir que minha decisão de concluir um ciclo muitas vezes não é tomada apenas por sentir que esse ciclo está chegando ao fim. O que de fato me incomoda é ter de fechar um ciclo para me manter fiel àquilo em que acredito, uma vez que me deparo com alguma atitude injusta, autoritária, hipócrita ou impostora.

Eu sou tolerante a muitas coisas que poucos tolerariam. Não me importo que façam pouco de mim. Não me importo que não aceitem minhas opiniões ou minhas filosofias. Não me importo que não me dêem a atenção que julgo merecer ou o reconhecimento que tantos têm fazendo tão menos que eu. Por ironia, talvez, não tolero duas coisas a que muitos andam desatentos hoje em dia: 1) não admito ser usada por pessoas que visam a interesses escusos*. 2) não admito ter de conviver num espaço em que os fins justificam os meios e os meios envolvam a falta de respeito com pessoas dignas da minha admiração.

Há mais de ano (creio!) entrei numa comunidade de Psicologia do Orkut. Mais de 35 mil membros, um número e tanto! Entrei acreditando poder aprender muito com um grupo de estudiosos que podem contribuir para a desmistificação de uma profissão que tanto admiro e que tanto sofre o preconceito da ignorância de quem não a conhece. Eis que o que presenciei foi uma realidade extremamente ditatorial de um líder que não aceitava, em hipótese alguma, qualquer tipo de manifestação que contrariasse seus pensamentos ou que pusesse sua imagem "inabalável" em risco. Se a garantia dessa imagem e desse status que acreditava ter por conta da moderação de uma comunidade no Orkut necessitasse passar por atitudes grosseiras, ridicularizadoras, coercitivas e totalmente arbitrárias, isso pouco importava. Ele decidia. Ele fazia. E ponto. Pesos e medidas distintas. Tratamentos simpáticos e respeitosos em público, e total falta de respeito em e-mails e mensagens pessoais. Fez-me lembrar da fábula do lobo em pele de cordeiro.

Peixe fora d’água, custou-me entender o que lá se passava, até que uns tantos membros excluídos da comunidade passaram a invadir meu espaço pessoal incessantemente para solicitar que eu fosse sua voz na comunidade. Eu não quis comprar aquela briga. Eu não tinha a ver com ela. Saí. Não foi difícil, aquela realidade não era minha. Aquela briga não era minha. Foi, na ocasião, algo esquisito, de que não gostei nada. É estranho quando temos um objetivo e somos levados a tomar atitudes não planejadas.

Irônico pensar que hoje opto pelo mesmo caminho, mas agora num espaço com que sempre me identifiquei. Triste é fazer isso pela mesma motivação tida na outra comunidade. A realidade é bem outra, menos de 3 mil membros. Dentre eles, porém, alguns poucos e expressivos nomes dignos do meu respeito. E é por eles que saio, justamente por não concordar em ver calada o desrespeito com que são veladamente (e, por vezes, nem tão veladamente assim) tratados.
Mas tudo na vida são ciclos. Este se fecha, um outro certamente se inicia. Talvez ao revisor caiba mesmo o isolamento. De qualquer forma, estou aqui, disposta a partilhar angústias e delícias da profissão, sempre. Por despedida, cabe um poema que muito admiro e que até então não tinha encontrado momento propício para ofertar a alguém. Eis, infelizmente, uma ocasião perfeita.

Dedico este poema a alguns colegas especiais da comunidade Revisores, do Orkut:

Versos Íntimos (Augusto dos Anjos)

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Tania Mikaela Garcia

* Há quem necessite de constantes estímulos para se auto-afirmar. Há quem não tenha caráter e se beneficie do trabalho alheio para se autopromover. Há quem busque o poder a todo o preço, seja lá o que isso signifique.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Debate acadêmico sobre a "Unificação" da língua portuguesa

Prometi dar um retorno sobre o debate ocorrido na XXVI Semana de Letras do curso de Letras da UNIVALI, em Itajaí, ontem, e cá estou.
O debate foi muito produtivo. Participei como professora convidada, juntamente com a Prof.ª Dra. Mônica Mano Trindade, da UNISUL, e a Prof.ª MSc. Eliana Moreira Utzig, da UNIVALI.

A discussão não ficou limitada aos aspectos lingüísticos que envolvem o problema da reforma proposta. Debruçamo-nos, também, nas motivações políticas e econômicas que alicerçam o "movimento". Discutimos aspectos identitários e culturais implicados nessa ilusória iniciativa de unificação lingüística.

Admira-me o fato de pessoas tão renomadas e esclarecidas argumentarem que a reforma traz simplificações e vantagens para a língua portuguesa.
Admira-me o argumento de que a chamada unificação facilitaria a redação de documentos em eventos internacionais.
Admira-me a afirmação de que a reforma fortalece nossa língua.

Como já mencionei no artigo postado antes deste "desabafo", a idéia de simplificação, em se tratando de língua, é ilusão. O que pode parecer simplificação num contexto fonológico implica complicações num semântico ou sintático ou morfológico... enfim... mexer num paradigma provoca mudanças em outros. Como se pode ver, em se tratando de língua, as coisas não são tão fáceis como parecem.

Quanto ao problema de atualmente haver a necessidade de dois registros em língua portuguesa nos eventos internacionais, há que se pensar em dois detalhes que os defensores da reforma não mencionam: hoje há diferenças ortográficas entre o inglês britânico e o americano (e estamos falando da língua que hoje é tomada como oficial em eventos internacionais de qualquer espécie). Muito bem, ninguém entra em crise na hora de redigir um documento em inglês, ainda que haja variações entre o padrão lingüístico do país colonizador e do país colonizado. Por que essa preocupação agora com o português? E, em segundo lugar: continuará havendo diferenças significativas entre os dois portugueses (e nem estou aqui mencionando diferenças lexicais ou sintáticas, falo mesmo das ortográficas). Que padrão escolherão para registrar nos tais documentos internacionais? O que responde à pronúncia brasileira ou à lusitana? Ora, como é possível perceber, o "impasse" continuará existindo. Que reforma é esta?

Por último, como uma reforma seguida de outra pode fortalecer uma língua? A última reforma ocorreu em 1971. Quinze anos mais tarde houve um movimento para uma nova reforma (sim, porque a tal reforma que dizem poder entrar em vigor em 2009 - o que acredito não ocorrer, graças à prudente resistência lusitana ao acordo - foi gerada por volta de 1985, pasmem!). Se fizermos reformas (e reformas incoerentes como a que está em questão) num período tão curto assim, daqui a cem anos será impossível ler Camões, Eça, Pessoa, Florbela Espanca, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Drummond. Isso é fortalecer a língua? Isso é jogá-la no lixo! E é jogar no lixo também nossa identidade. Como é que se pode discutir unificação lingüística? E as marcas culturais? E as identitárias?

Sinto-me, tal como as muitas nigerianas, mutilada por pessoas cujos interesses questionáveis perpassam o discernimento maior que se espera daqueles que detêm o poder de decisão e implementação de mudanças na sociedade em que vivem.

A quem interessa esta reforma?
Qual o preço a pagarmos por ela?
Que benefícios reais ela nos trará a curto, médio e longo prazo?


Salve o tão criticado conservadorismo lusitano, que parece estar conseguindo frear nosso furor por mudança e vanguarda, calcada, muitas vezes, em devaneios e interesses escusos e indignos.

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Houve, no debate, um aluno que se manifestou mencionando sua indignação pela concentração de energia dispendida num tema que pode, como muitas coisas no nosso país, acabar numa comilança à italiana.
"Essa é uma discussão inócua!", disse ele.

Discordo! Por mais que saibamos que a dita reforma pode (oxalá!) não ocorrer, ao menos nos próximos dez anos, como anunciou no último dia 10 a ministra da cultura de Portugal, uma discussão como esta não é inócua, uma vez que o problema de uma mudança de tal caráter e com tamanhas implicações não é qualquer coisa e merece, sim, nossa atenção. Precisamos olhar para o problema de modo mais crítico, sem nos deixar influenciar por aquilo que muitas vezes a mídia nos quer fazer ver.
Se há questões muito mais importantes a serem discutidas?
Há, pois!
Ficarmos parados diante de um problema que se apresenta é que não podemos. Temos de nos mobilizar.
Este pode ser um começo.
Que a reforma, ao menos, sirva para algo útil: a visibilidade das questões lingüísticas e do ensino do português.
Talvez isso abra a possibilidade para a reflexão sobre questões mais urgentes e basilares da nossa realidade.




Tania Mikaela Garcia.




segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O (des)acordo ortográfico

Estou saindo daqui a pouquinho para participar de um debate sobre a reforma ortográfica. As pessoas ficaram alarmadas após a notícia veiculada pela Veja há poucos dias. Tudo indica que esse acordo completará a maioridade sem ser posto em prática, mas já que o tema está em alta, resolvi postar aqui o artigo de abertura da seção Letras na Sopa, da revista Sopa de Siri, veiculada na minha cidade e nos municípios vizinhos.
Depois eu comento como foi o debate na XXVI Semana de Letras do curso de Letras da UNIVALI, em Itajaí - SC. Agora vou lá. Até mais.


O (des)Acordo Ortográfico

O tema que abre o Letras na Sopa é o controvertido Acordo Ortográfico firmado em 1990 pelos países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – Brasil, Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola (Timor-Leste juntou-se aos demais apenas após sua independência). O acordo visa à pretensa unificação ortográfica da língua portuguesa, o que afirmam contribuir para a difusão da língua; mas, passados dezessete anos, ainda não saiu do papel.

Inicialmente, exigia a ratificação de todos os países envolvidos para que pudesse entrar em vigor. Em 2004, o polêmico protocolo modificativo do documento original permitiu que o Acordo vigorasse com a ratificação de apenas três países, o que pareceu acelerar sua implementação, uma vez que Portugal, Brasil e Cabo Verde já o haviam ratificado, mas tudo continuou a passos lentos, pois cada país necessitava cumprir inúmeros requisitos constitucionais para viabilizar as mudanças. Ainda no mesmo ano, o Brasil já havia cumprido todos os requisitos, estando na dependência de Portugal e Cabo Verde para que o Acordo pudesse valer. O Brasil, entretanto, é o único país hoje que não adere ao atual acordo ortográfico existente entre Portugal e os demais países da CPLP.

O cumprimento do protocolo estabelecido em 2004, para Ivo Castro, lingüista e Professor da Faculdade de Letras de Lisboa, põe em risco a concordância atual entre Portugal e aqueles países, céticos quanto às conseqüências da reforma ortográfica a ser operada, em nome de uma parceria ortográfica que nunca existiu com o Brasil.

Para nós, a vigoração do Acordo constituirá transtornos econômicos na área editorial, que precisará ser substituída, mas reduzirá os custos de produção, além de viabilizar uma maior difusão bibliográfica e das novas tecnologias, uma vez que o Brasil poderá competir com grandes editoras portuguesas, entrando no mercado europeu e africano.

O que muda:
• As paroxítonas terminadas em oo, por exemplo, não terão mais acento circunflexo. Ao invés de abençôo, enjôo ou vôo, os brasileiros terão de escrever abençoo, enjoo e voo.
• Também não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler, ver e seus decorrentes, ficando correta a grafia creem, deem, leem e veem.
• O trema desaparecerá completamente. Estará correto escrever linguiça, sequência, frequência e linguística ao invés de lingüiça, seqüência, freqüência e lingüística.
• São incorporadas oficialmente ao alfabeto as letras k, w e y.
• O acento diferencial de algumas palavras, como de pára (verbo) e para (preposição), deixará de ser usado.
• Haverá eliminação do acento agudo nos ditongos abertos éi e ói, como em assembléia, idéia e jibóia, que passam a assembleia, ideia e jiboia.
• Em Portugal, desaparecem da língua escrita o c e o p nas palavras onde não são pronunciados, como em acção, acto, adopção e baptismo, que passam a ação, ato, adoção e batismo, num registro à brasileira. Palavras com diferentes pronúncias entre os países manterão, entretanto, seus respectivos registros, tais como em recepção e receção, registro e registo, corrupto e corruto.

O tema divide opiniões, já que o Acordo parece banalizar as diferenças lingüísticas entre o português brasileiro e o português europeu mantidas com a mudança ortográfica proposta. Para além do mais, ainda que muitas das alterações já sejam praticadas além-mar, algumas demonstram incoerências relativas ao sistema escrito da língua, como a queda do trema, por exemplo. Ainda que a escrita pareça ser facilitada com a supressão de acentos e letras não pronunciadas, a aprendizagem da leitura por crianças e estrangeiros torna-se mais difícil, uma vez que uma única grafia possibilita mais de uma pronúncia. A idéia equivocada de simplificação da língua é pura utopia. Simplifica-se de um lado, complica-se de outro.

E enquanto o (des)acordo ortográfico não se estabelece na prática, seguimos fazendo valer o que está em vigor.


Letras na Sopa é uma seção lingüística que passa a ser veiculada a partir da edição de junho da revista Sopa de Siri, com tiragem de 2.000 exemplares para Itajaí, Navegantes, Balneário Camboriú, Brusque e Itapema (Santa Catarina).
Visite o site http://www.sopadesiri.com.br/


Tania Mikaela Garcia

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Ai, se sêsse

E quem foi que disse que é preciso escrever perfeitamente pra encantar ou fazer poema? Muitas vezes um texto muito bem escrito não tem a beleza de palavras singelas ou criativas.



Ai, se sêsse!


Se um dia nóis se gostasse


Se um dia nóis se queresse

Se nóis dois se empareasse

Se juntim nóis dois vivesse

Se juntim nóis dois morasse

Se juntim nóis dois drumisse

Se juntim nóis dois morresse

Se pro céu nóis assubisse

Mas porém se acontecesse

de São Pedro não abrisse

A porta do céu e fosse

lhe dizer quarquer tolice

E se eu me arriminasse

E tu cum eu insistisse

pra que eu me arresorvesse

E a minha faca puxasse

E o bucho do céu furasse

Távez que nóis dois ficasse

Távez que nóis dois caísse

E o céu furado arriasse

E as virgi toda fugisse



Texto: Zé da Luz, Severino de Andrade Silva, nasceu em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965. O trabalho de Zé da Luz, como era chamado, ficou conhecido pela linguagem matuta presente em seus cordéis.

Confira o vídeo do cordel do Fogo Encantado:
http://br.youtube.com/watch?v=RJQC1w0yRbk

Tania Mikaela Garcia

domingo, 9 de setembro de 2007

Revisor não...

Inventei de homenagear as professoras de português, agora precisei fazer o mesmo com os revisores, afinal de contas, não posso privilegiar apenas uma das minhas profissões. Já viram que este não será o último texto, né? Revisores... fiquem à vontade...o texto está sujeito a revisão.

01 - Revisor não usa pagãozinho quando bebê; a palavra não está dicionarizada.
02 - Revisor não cresce; sofre revisões.
03 - Revisor não amadurece; tem novas edições.
04 - Revisor não lê romances; distrai-se com gramáticas.
05 - Revisor não toma sopa de letrinhas; organiza as letras em ordem alfabética no prato.
06 - Revisor não assiste a filmes; analisa legendas.
07 - Revisor não tem vocabulário rico; tem léxico oficial.
08 - Revisor não conversa; faz revisão acompanhada.
09 - Revisor não fala palavrões; substitui-os por palavra menor e mais adequada ao contexto.
10 - Revisor não corta frituras de sua dieta; elimina pastéis.
11 - Revisor não usa remédio para coceiras; cata os piolhos um a um.
12 - Revisor não discute; apresenta problemas de concordância.
13 - Revisor não tem carro; usa foguete.
14 - Revisor não é politicamente correto; é gramaticalmente correto.
15 - Revisor não é repetitivo; recorre a elipses.

16 - Revisor não tem passado; tem pretérito mais-que-perfeito composto.
17 - Revisor não tem novos relacionamentos; revisa o romance.
18 - Revisor não seduz; cria coesão contextual entre os elementos.
19 - Revisor não compara namoradas; coteja-as.
20 - Revisor não acredita cegamente; analisa provas.

21 - Revisor não dá um tempo; coloca vírgula.
22 - Revisor não termina um relacionamento; põe um ponto-final.
23 - Revisor não fere regras; aplica exceções.
24 - Revisor não é inflexível; adota a norma padrão.
25 - Revisor não trabalha; ocupa seu tempo com leituras.

26 - Revisor não escreve errado; tem o aval do VOLP.
27 - Revisor não corrige errado; tem o aval de algum gramático.
28 - Revisor não é condescendente com o erro; tem o aval de algum lingüista.
29 - Revisor não erra; acata a preferência do cliente.
30 - Revisor não deixa furos; testa a atenção do editor.


Tania Mikaela Garcia

sábado, 8 de setembro de 2007

Professora de português

Inspirada num texto às fonoaudiólogas, homenageio aqui minhas colegas de profissão, as professoras de português:

01 - Professora de português não nasce; deriva-se.
02 - Professora de português não cresce; vive gradações.
03 - Professora de português não se movimenta; flexiona-se.
04 - Professora de português não é filha de mãe solteira; resulta de uma derivação imprópria.
05 - Professora de português não tem família; tem parênteses.
06 - Professora de português não envelhece; sofre anacronismo.
07 - Professora de português não vê tv; analisa o enredo de uma novela.
08 - Professora de português não tem dor aguda; tem crônica.
09 - Professora de português não anda; transita.
10 - Professora de português não conversa; produz texto oral.
11 - Professora de português não fala palavrão; profere verbos defectivos.
12 - Professora de português não se corta; faz hiato.
13 - Professora de português não grita; usa vocativos.
14 - Professora de português não dramatiza; declama com emotividade.
15 - Professora de português não se opõe; tem problemas de concordância.
16 - Professora de português não discute; recorre a proposições adversativas.
17 - Professora de português não exagera; usa hipérboles.
18 - Professora de português não compra supérfluos; adquire termos acessórios e artigos indefinidos.
19 - Professora de português não fofoca; pratica discurso indireto.
20 - Professora de português não é antiecológica; compra superlativos sintéticos.

21 - Professora de português não é frágil; é átona.
22 - Professora de português não fala demais; usa pleonasmos.
23 - Professora de português não se apaixona; cria coesão contextual.
24 - Professora de português não tem casos de amor; faz romances.
25 - Professora de português não se casa; conjuga-se.
26 - Professora de português não depende de ninguém; relaciona-se a períodos por subordinação.
27 - Professora de português não tem filhos; gera cognatos.
28 - Professora de português não tem passado; tem pretérito mais-que-perfeito.
29 - Professora de português não rompe um relacionamento; abrevia-o.
30 - Professora de português não foge a regras; vale-se de exceções.
31 - Professora de português não é autoritária; possui voz ativa.
32 - Professora de português não é exigente; adota a norma padrão.
33 - Professora de português não erra; recorre a licença poética.



Tania Mikaela Garcia
textocorrigido@terra.com.br

domingo, 2 de setembro de 2007

A Biblioteca Pública e a formação de leitores

Estive em julho no 16º Congresso de Leitura do Brasil (COLE), em Campinas – SP. Dos seminários organizados para que se discutissem as armadilhas e problemas de leitura no país, participei do seminário sobre bibliotecas públicas. Meu objetivo era o de expor uma análise dos índices estatísticos registrados pela Biblioteca Pública de Itajaí, a Biblioteca Pública Municipal e Escolar "Norberto Cândido Silveira Júnior" (http://biblioteca.itajai.sc.gov.br/), em seus sete anos de funcionamento e que, até onde pude acompanhar de perto, apresentavam-se numa escala crescente de resultados advindos de serviços e ações de incentivo à leitura. Qual não foi minha surpresa ao constatar que os números apontam algumas novidades preocupantes.

Embora a Biblioteca em questão esteja muito além da maioria de bibliotecas do país, oferecendo um acervo excelente, infra-estrutura de ponta e alto nível tecnológico, a média anual de leitura por usuário cadastrado caiu. De 2,6 livros lidos anualmente por usuário em 2004, a média em 2007 é de 1,8. Da mesma forma, a média de novos usuários cadastrados vem diminuindo. Que razões estariam por trás dessa mudança?

Num país em que o MEC é o maior comprador de livros do mundo e que os índices de leitura em pesquisas nacionais são catastróficos, mais do que oferecer uma infra-estrutura de qualidade, faz-se necessário promover efetivamente a formação de leitores, com iniciativas e políticas públicas que visem sanar o problema de leitura. Se uma escola sem biblioteca ou uma biblioteca sem livros são realidades lamentáveis, triste também é um livro à espera do leitor que não chega.

Dos níveis de alfabetismo relativos à leitura, tais como descodificar, compreender, interpretar, estabelecer relações, criticar e replicar, mais da metade dos leitores brasileiros só chega ao segundo nível, não conseguindo ir além de uma leitura localizacionista, sem extrapolar o texto, a fim de fazer inferências e posicionar-se criticamente frente ao que lê. Nesse sentido, a Biblioteca Pública pode extravasar sua função de extensão escolar, atuando socialmente no fomento à leitura e ao lazer cultural, assim como a escola necessita rever seu papel na formação de leitores. E para que isso ocorra, muitas armadilhas precisam ser quebradas.

A mera exposição ao universo da escrita não garante a alfabetização. Aprovação automática não assegura sucesso escolar. Mais tempo na escola não certifica mais aprendizagem. Escola com merenda, uniforme, material e serviços de extensão médico-social não cumpre necessariamente seu papel. O acesso de alunos especiais à sala de aula comum não traduz obrigatoriamente inclusão social. Livro e computador a alcance de todos não garante letramento algum. Enfim, mais do que dar o peixe, é preciso ensinar a pescar. E pescar bem requer técnicas específicas.

A propósito, já conhece o acervo da Biblioteca Pública de seu município? Visite-a. Não esqueça de levar seu filho, sobrinho ou irmão para ler um livro também!



Tania Mikaela Garcia