quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Chocolate... uma lição de vida

Chocolate... uma lição de vida


Este vídeo [vide link acima] é sobre Chocolate, figura linda que me inspirou na minha pesquisa de doutorado.
O texto que segue foi publicado na introdução da minha tese, em 2008.
 
Quando conheci o Chocolate, ele estava em uma movimentada calçada no centro da cidade ao lado de uma bicicleta velha emprestada com um caixote cheio de livros ainda mais velhos doados por “gente rica”. Apesar da pressa, não resisti à curiosidade de parar diante do olhar convidativo e ansioso do vendedor. Com seus 56 anos, cabelos grisalhos e pele judiada pelo melanoma que se alastrava sem piedade (apesar de suas palavras de admiração diante do fato, ao comentar “Dizem que não é comum acontecer com gente de cor!”), Chocolate era de uma simpatia contagiante. Vivaz, bem-humorado e com uma desenvoltura invejável, rapidamente seduzia à compra e à admiração. Passados quinze minutos de conversa, ocorreu-me saber mais sobre sua história, dado seu evidente talento para as vendas e para lidar com o público, que contrastavam de forma gritante ao cheiro dos farrapos que trajava. Foi então que ouvi: “Sou analfabeto, dona, mas sou vendedor de livro... porque livro não tem que ser vendido por peso, tem que passar de mão em mão.
Não consegui evitar a lembrança de minhas animosidades com meus superiores em tempos nos quais, sendo auxiliar de biblioteca, tentava impedir a troca de livros descartados por alguns centavos pagos a papel velho, quando sabia de escolas em que sequer havia um espaço digno com algumas poucas obras para leitura. E Chocolate continuou: “O pior analfabeto é aquele que sabe, mas não lê!”. Certamente Mário Quintana não objetaria a paráfrase de sua frase: Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.” Convidei Chocolate a participar da pesquisa e, diante de seu entusiasmo, marcamos no dia seguinte, na mesma biblioteca que um dia vendera a peso livros iguais aos que ele, mesmo sem poder ler, insistia em fazer passar de mão em mão. Emocionado por entrar pela primeira vez naquele espaço tão agradável em que tantos saboreavam o prazer que ele não podia apreciar, mostrei-lhe um exemplar de seu livro predileto: O maior vendedor do mundo, de Og Mandino. Havia, muitos anos atrás, um homem que lhe contara a história, disse-me. Li a ele um trecho da obra e, conforme avançávamos, ele só fazia identificar-se ainda mais com aquele personagem que, tal qual ele próprio, ia em busca da felicidade plantando honestidade e bons pensamentos.
Chocolate não pôde participar da pesquisa, pois, mesmo que sua baixa autoestima dissesse-lhe o contrário, ele não esquecera os primeiros passos da leitura, aprendidos tantos anos antes de ser condenado a ficar do lado de fora dos muros escolares, devolvido aos pais por não ser igual a todo mundo. Nem por isso ele se tornou, entretanto, alvo irônico de seu impactante discurso quintanesco. Ele era e é, sim, fruto de uma sociedade desigual e de um sistema escolar que há muito se tornou ainda mais carente do que as próprias vítimas que gera.


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