sábado, 25 de agosto de 2007

Sobre a natureza efêmera das letras

É intrigante pensar sobre a sensação de efemeridade das palavras que a internet nos provoca. Criamos um espaço virtual, escrevemos meia dúzia de palavras e “salvamos”. Se não divulgarmos esse espaço ou se simplesmente nos esquecermos de voltar lá… é como se fossem palavras ao vento, perdidas, dissolvidas no ar. Letras de macarrão.


As palavras na rede não passam de letras de macarrão. De uma solidez fragilizada, as mesmas letras que na voz do poeta fazem “poema concreto” desintegram-se, liquefazem-se, evolam-se na tela do computador, perdendo-se nas galáxias de sites, blogs, fóruns, chats e tantos outros ciberburacos negros do espaço virtual.


Se analisarmos bem, constataremos que – tal como o ciberuniverso com suas inúmeras constelações de brilho lívido, quasares distantes e corpos que gravitam a esmo – a tinta no papel também possui sua efemeridade. Basta encontrarmos no fundo da gaveta aquelas linhas escritas há anos, tantos que fica difícil crer que sejam de fato nossas, tamanha a transformação que os anos nos trouxeram. Pior, basta jamais reencontrarmos as linhas escritas e eternizadas num papel, que pára no lixo sem que ninguém o tenha lido. O mesmo papel que eterniza é o que se dissolve, inchado pela água e reduzido a papa, qual letra de macarrão.


Aprendemos a temer as letras. Ensinaram-nos a escrever com uma responsabilidade cerceadora, que nos tolhe, nos inibe, nos assusta. Diferentemente da fala, a escrita registra, captura. “Escrever não é assim!” É preciso dominar a técnica, saber as regras, adquirir habilidades… como se o ritual de passagem que nos permitisse o prazer da escrita sem culpa nos obrigasse a beber esse conhecimento vertido da boca de gárgulas que – ao mesmo tempo que nos matam a sede – nos amedrontam com pleonasmos viciosos, cacófatos, silepses e anacolutos. Então, deparamo-nos com aquelas letras dançando bem ali a nosso alcance, na colher da sopa, quase que implorando nossa intervenção salvadora… e o que fazemos? Engolimo-las, como quem engole o choro, prende o grito, evita o soco.


“Com comida não se brinca, mocinha! Toma logo essa sopa!” Não é difícil compreender a relevância da sopa. Ela acalenta. Ela aquece. Ela nutre. Uma criança sabe disso, mesmo que não admita. Diante de tão nobres objetivos, torna-se compreensível o desconforto causado pelo desejo quase incontrolável de roubar um punhado de aletria, salvando as pobres letrinhas de seu honroso destino. Como explicar o prazer de espalhar pelo chão as futuras palavrinhas de macarrão e areia? Como justificar o deleite de destruir um L, arrancando-lhe um pedacinho, por não encontrar um i que preencha a penúltima sílaba? Seria assim tão horrível quanto riscar um livro? E o que dizer, então, da irresistível satisfação de triturar aqueles minúsculos simbolozinhos entre os dentes (e os possíveis grãos de areia), enquanto a próxima palavra a ser formada é escolhida? Quanto desperdício de possibilidades naquele pacote trancafiado no armário! Quantas palavras destinadas a virar mingau…


É instigante pensar na natureza contraditória do macarrão de letra. Enquanto mantém sua consistência, permite que brinquemos com ele; e só quando se fragiliza é que nos sustenta. Seu caráter mutante, sua natureza dual, sua característica de pão e circo… Se minhas palavras serão alimento ou se apenas letras soltas no chão; se eternizadas ou efêmeras; se levadas a sério ou não… pouco importa. Importa que eu possa escrevê-las sem medo, sem culpa, sem o peso da responsabilidade a me travar dedos e língua. Importa que me saciem a fome, mas que me seja permitido um punhado delas pra brincar. Se algumas ficarão perdidas pelo caminho, acabarão moídas ou engolidas, não importa… desde que não me fiquem presas na garganta!

Tania Mikaela Garcia

textocorrigido@terra.com.br

7 comentários:

Anônimo disse...

Olá!

Vi o endereço no orkut e vim fazer uma visita. Bem-vinda ao mundo dos bloguistas! Vais certamente ter muito prazer com as letras digestivas que escreveres; e os leitores também.

Abraços!

Fabiana

Anônimo disse...

O uso das letras é, na verdade, algo de efêmero, mas também algo de belo, porque elas são os sinais por via dos quais nos comunicamos.
são símbolos que nos permitem exteriorizar aos outros, opiniões, emoções e tudo o que sentimos.
A palavra formada por letras que são esses símbolos é algo de muito forte. Tem uma estrutura que, na sua aparente vulgaridade pode ser uma carícia ou uma arma. Parabéns Mikaela, por tão bem a ensinares. Platão

Fábio Vanzo disse...

Por isso que sou gigolô das palavras, que nem o LFV.

Anônimo disse...

Mika, parabéns pelo blog, pelas idéias e pelas letras. E pode ter certeza certeza que elas deixam de ser letras de macarrão depois de serem acopladas ao nosso ser. As suas sempre são, e eu vou me inchando de conhecimento. Te agradeço por isso.
Beijos e sucesso.

Àlles

Anônimo disse...

Comparação interessante, Mikaela. Eu gosto disso, dessa "instabilidade" do ciberespaço. Entre amigos, já fizemos oficinas poéticas em salas de chat, com o compromisso de deletar tudo ao final do encontro, buscando apenas a permanência das sensações experimentadas.
besito

Cristóvão de Oliveira disse...

Mika!

Ser super especial das letras, você!
Bom te "saber" pelo ciberespaço, poder te visitar vezenquando... Porque também procuro saciar minha fome de letras.
Bjs, vistie meu blog também (tá desatualizado, mas tá lá):
http://outrocris.blogspot.com

Mais Bjs!

Anônimo disse...

Mika!!

Adorei o seu blog... Deu-me saudades desse seu jeito louco, intelectual e transformador. Você, sempre pronta a mudar o mundo ou um pedacinho dele... Sempre instigando as pessoas aos porquês de ser e existir pelo simples e extraordinário fato de não se contentar apenas com o sonhar... É preciso realizar...

Parabéns!! É por aí que se muda o mundo!!!

Grande beijo,

Dani